30 de maio de 2025

Transformação regulatória e inovação: como as fundações de apoio operam no novo cenário da CT&I

Especialistas discutem como as mudanças regulatórias no cenário da CT&I impactam nas fundações de apoio

Mudanças no marco legal da Ciência, Tecnologia e Inovação e seus impactos nas fundações de apoio foram aspectos abordados na mesa temática: “Mudanças Regulatórias em C&T: Estratégias para Fundações de Apoio”, realizada nesta sexta-feira (30), durante o segundo dia do 4º Encontro de Fundações de Apoio do Sudeste (Enfasud). Especialistas do setor jurídico e da gestão institucional se reuniram para debater os desafios e caminhos estratégicos diante do cenário regulatório em constante transformação.

Sob mediação do assessor jurídico da Fundep, Bruno Teatini, participaram da discussão o promotor de Justiça da 1ª Provedoria de Fundações do Rio de Janeiro, José Marinho Paulo Junior, e a coordenadora executiva do Centro de Tecnologia da Informação e Transferência de Inovação da UFMG (CTIT), Juliana Crepalde.

Ao iniciar as discussões, Bruno Teatini destacou que as mudanças regulatórias no campo da Ciência, Tecnologia e Inovação exigem uma análise criteriosa das legislações que envolvem as fundações de apoio, com foco na construção de interpretações convergentes e estratégias institucionais consistentes. Segundo ele, o tema ainda impõe desafios históricos tanto no campo jurídico quanto na prática cotidiana das instituições. “Discutir o Marco Legal e as legislações das fundações de apoio é essencial para construirmos interpretações convergentes e estratégias sólidas diante de um cenário regulatório ainda desafiador”.

PROFISSIONALIZAÇÃO E SEGURANÇA JURÍDICA SÃO PILARES PARA O FORTALECIMENTO DAS FUNDAÇÕES DE APOIO

José Marinho trouxe alguns aspectos sobre como a pouca especialização de profissionais que lidam com fundações de apoio, especialmente no que diz respeito ao direito fundacional, representa um entrave significativo para o bom funcionamento do Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação (SNCTI). “A falta de conhecimento técnico sobre a legislação específica que rege essas instituições pode gerar insegurança jurídica, burocracia excessiva e decisões equivocadas, comprometendo a eficiência da gestão de projetos de pesquisa e inovação. Esse cenário reforça a importância de capacitar gestores, técnicos e órgãos de controle para garantir uma atuação mais segura e ágil”, completa.

Nesse contexto, sinaliza Marinho, a recente Resolução Nacional das Fundações surge como uma tentativa de mitigar parte desses desafios, ao estabelecer diretrizes mais claras e padronizadas para a atuação e fiscalização das fundações de apoio em todo o País. A medida não modifica o sistema jurídico existente, mas busca oferecer maior segurança jurídica, especialmente para fundações que operam em diferentes estados e enfrentam interpretações divergentes da legislação.

Outro aspecto abordado por José Marinho é a taxa de administração das fundações, e como elas podem servir de estratégia para a continuidade do desenvolvimento das instituições. “A Resolução Nacional também contribui para esclarecer pontos sensíveis da gestão fundacional, como a taxa de administração dos projetos. Ainda há um entendimento limitado sobre a natureza e a função dessa cobrança.”. Marinho esclarece que, em muitos casos, ela é vista apenas como um custo administrativo, quando, na prática, representa a principal fonte de receita das fundações de apoio. “É ela que garante a estrutura institucional e a continuidade do trabalho da fundação. Ao estabelecer diretrizes mais uniformes, a resolução pode ajudar a consolidar essa compreensão e a reduzir conflitos relacionados à definição e aplicação da taxa”, completa.

APOIO FUNDACIONAL É DECISIVO PARA TRANSFORMAR CONHECIMENTO ACADÊMICO EM SOLUÇÕES APLICADAS

Na sequência, Juliana Crepalde, destacou como a Lei de Inovação (nº 10.973/2004) tem evoluído ao longo do tempo e ampliado as possibilidades de atuação das fundações de apoio junto às universidades. “Desde 2004, a legislação passou por várias atualizações que permitiram aperfeiçoar a relação das instituições científicas com suas fundações. Quando olhamos com atenção, a lei abre uma série de interfaces para que possamos executar nossas atividades com excelência, especialmente nas áreas de ciência, tecnologia e inovação”, afirmou. Juliana também compartilhou exemplos práticos da UFMG, ressaltando a parceria estreita com a Fundep, que tem viabilizado a aplicação da política de inovação na universidade. “A Fundep tem sido parceira estratégica na execução das atividades do nosso Núcleo de Inovação, oferecendo o apoio necessário para que a universidade cumpra seu papel no ecossistema de inovação”, completou.

Na UFMG, a política de inovação é operada dentro de um modelo conhecido como NIT misto — uma estrutura em que o Núcleo de Inovação Tecnológica (NIT) da universidade compartilha a execução de suas atividades com uma fundação de apoio, no caso, a Fundep. “O NIT é responsável por gerir ações como proteção de propriedade intelectual, transferência de tecnologia e articulação com o setor produtivo. No modelo misto, a universidade mantém a coordenação estratégica, mas delega à fundação parte da gestão operacional, por meio de acordos formais”, ressalta Juliana. A iniciativa permite maior agilidade e eficiência nos processos, aproveitando a infraestrutura e a expertise administrativa da fundação para dar suporte técnico às ações de inovação.

Como desdobramento das possibilidades criadas pela Lei de Inovação, Juliana compartilhou exemplos práticos que demonstram como a atuação das fundações de apoio tem sido essencial para transformar conhecimento acadêmico em soluções aplicadas. Um dos exemplos destacados pela coordenadora foi o do projeto Nanoscópio, desenvolvido por um grupo de pesquisa da UFMG em parceria com a empresa FabNS, especializada em soluções na área de nanomateriais. A tecnologia foi fruto da junção entre o conhecimento gerado na universidade e a expertise da spin-off, que colaborou diretamente no desenvolvimento do equipamento. “Esse é um exemplo muito claro de como a atuação integrada entre universidade, fundação e empresa pode garantir que uma inovação saia do laboratório e encontre aplicação real com segurança e eficiência”, explicou Juliana.

Outro caso citado foi a transferência de desenho industrial para a competição internacional Red Bull Air Race, em parceria com o piloto Glen Dell, em 2010. A UFMG participou do desenvolvimento de componentes para a aeronave utilizada nas corridas, num projeto que uniu conhecimento técnico e aplicação prática em alto nível de exigência. Como reconhecimento, a logo da universidade foi estampada no avião — um gesto simbólico, mas que teve impacto direto na comunidade acadêmica. “Foi um momento marcante para os alunos e pesquisadores envolvidos, porque mostrou que a ciência feita aqui tem visibilidade e aplicação no mundo real. E, mais uma vez, a fundação teve papel essencial para viabilizar a execução de todo o projeto”, destacou.

Juliana também mencionou o caso do usufruto de ações entre a UFMG e a empresa Kunimi, que foi vendida para o Bradesco, resultado de um processo de transferência de tecnologia em que a universidade, ao licenciar um ativo, passou a ter direito a parte dos lucros da empresa por meio de ações. “Esse tipo de modelo é relativamente novo nas universidades brasileiras e mostra o quanto a legislação de inovação e o apoio fundacional vêm permitindo alternativas sofisticadas de retorno institucional. É uma forma concreta de mostrar que o conhecimento gerado na universidade pode se transformar em valor econômico e social”, completou.

SOBRE O ENFASUD

O 4º Encontro de Fundações de Apoio do Sudeste (Enfasud), realizado nos dias 29 e 30 de maio, em Belo Horizonte, tem como propósito fortalecer a articulação entre as fundações de apoio das instituições de ensino e pesquisa da região Sudeste, promovendo o compartilhamento de experiências, desafios e soluções inovadoras. Com uma programação diversificada, o encontro promove palestras, mesas temáticas e espaços de networking para gestores e colaboradores das fundações.

No mesmo ano em que completa 50 anos de atuação, a Fundação de Apoio da UFMG (Fundep) assume a realização do evento, em parceria com o Conselho Nacional das Fundações de Apoio às Instituições de Ensino Superior e de Pesquisa Científica e Tecnológica (Confies).

Texto: Maria Carolina Martins

Edição: Thiago Leão